Retomando o blog em alto estilo pra homenagear o homem que não tem superpoderes, mas é um super herói! Aniversário do homem que tanto admiro: meu pai!
Poema feito por ele na adolescência!
“Poesia de um louco de boa memória”
Era meia-noite, o sol brilhava nas campinas dos verdes mares, enquanto que um velho moço, sentado de pé em uma pedra de pau, contemplava ao longe a natureza na curta linha do horizonte. Ao seu lado direito, esquerdo, um cego lia um jornal de cabeça para baixo.
Um pouco adiante, aqui, um elefante de 4 toneladas, magérrimo, já em avançado estado de inanição, descansava sua frágil carcaça sobre um pé de couve-flor. À sua direita, bem à esquerda, um mudo gritava aos quatro-cantos: – Terra, tu és uma bola quadrada, girando parada no teu eterno movimento de translação em torno da Lua!
Navegando em um barco sem fundo, sobre as ondas agitadas de um caudaloso rio sem água, um calvo negro albino, absolutamente pardo, de cor miscigenada, completamente seminu, trajando uma escandalosa indumentária azul-escarlate, expunha ao vento a sua linda cabeleira loira e dizia: – Prefiro mil vezes a morte do que perder a única segunda vida que possuo!
Longe dali, muito bem perto, em um bucólico bosque sem árvores, os passarinhos trotavam alegremente, pastando sobre as águas, enquanto as vacas gorjeavam, voando de galho em galho à procura de seus ninhos.
Ali perto, bem longe, um carroceiro preto-incolor, em seu navio encalhado no asfalto, berrava baixinho: – Hei de caminhar voando por uma longa estrada sem-fim, bem curta, onde as curvas são retilíneas e, as retas, absolutamente curvilíneas!
Em meio às trevas fosforescentes, iluminadas pelo sol da meia-noite de uma tenebrosa lua-cheia, no terceiro quarto-minguante de uma primavera de outono, um calvo cego, de longas madeixas eriçadas pelo medo, ao ver de olhos arregaladamente fechados um morto-vivo ziguezagueando na rua, gritava: – Zumbi dos Palmares, impossível que tu perambules morto por esse mar de terra prateada, em plena lua-nova, já que viver e morrer são a mesma coisa que morrer e viver, sobretudo quando já se viu tua morte dezenas de vezes em apenas uma vez na vida!
Mais adiante, bem longe, logo aqui, enquanto dois mudos debatiam sobre a honestidade dos políticos no Congresso Nacional, três cegos, que assistiam a cena de olhos esbugalhadamente surpresos, vislumbravam a redenção do povo na esperança de conversão dos desonestos políticos, mesmo diante daquela discussão estéril dos surdos-mudos sobre o saudosismo da velha política dos currais eleitorais, do “toma lá, dá cá”.
Diante do patético cenário descrito, o poeta louco de boa memória, sedento de paixão tal como as fogosas viúvas sexagenárias, percebeu que se encontrava perdido, ao centro de uma estrada de rios secos, solitariamente abandonado, envolto por uma multidão que protestava ensandecida contra tudo e contra todos, ruidosamente silenciosa.
Nesse magistral momento, o poeta percebeu que teria de acabar de vez com o seu esdrúxulo poema, nessa altura já com aspecto de elegia. Ao acordar com os olhos bem cerrados, espreguiçou-se com as pernas bambas de cansaço, da longa caminhada que nunca iniciou, e, diante de uma perplexa plateia de alunos-prodígios que o viram cochilar durante toda a aula de História, desabafou, na tentativa de ludibriar a impassível professora e fugir das perguntas de fim de sessão: – Felizes aqueles que chegaram, sãos e salvos, sem nunca partir; felizes aqueles que acordaram sem nunca dormir; mais afortunados ainda são aqueles que tiveram um final feliz recheado de mórbido romantismo e desventurada paixão, sem começo, meio e fim!
Como toda excitante aula de História, percebendo a esperteza do aluno, a indiferente legisladora do ensino disparou a pergunta que iria brochar o louco de boa memória acometido de sonambulismo: – Meu atento e exemplar aluno, quais foram os quatro grandes profetas do mundo?
Na velocidade de um bocejo, o aluno retruca: – Distinta professora, a melhor resposta para sua inteligente pergunta foi encontrada em um volumoso livro de denso conteúdo, sem páginas e sem letras, onde taxativamente está escrito que os quatro grandes profetas do mundo, na verdade são três, Moisés e Elias!
Fim de aula. Aluno suspenso da classe por três dias.